29 dezembro 2008

Cavaco, o político

Nunca foi deputado, liderou apenas cinco meses um partido político sem estar a liderar o país, governou dez anos com duas maiorias e foi eleito à primeira o primeiro Presidente da direita contra dois pesos pesados da esquerda. Se a 31 de Julho Cavaco falhou na transmissão da mensagem esta noite foi cristalino. Tem razão, o precedente é grave e, só não dissolve o Parlamento, porque o estado do país obriga-o a ser o que sempre foi: um institucionalista, formalista focado no interesse geral. Quanto tanto se fala se "change" na política é bom saber que a dignidade, seriedade e "lealdade" existem para alguns, mesmo quando são violadas por outros. Mesmo quando sabemos que os "interesses partidários de ocasião" se sobrepõem "aos superiores interesses nacionais". Do ponto de vista pessoal e partidário Sócrates esteve bem: fez uma boa esparregata e "encostou" o Presidente às cordas. Mas, como tudo na vida, terá de pagar a factura. Mais cedo do que tarde.

O fim da lealdade

O Presidente acaba de usar a palavra lealdade para descrever o que sente que lhe faltou. É o fim de uma era, na pior das alturas.

Ouve-se Cavaco Silva

a acusar o Governo de colocar o interesse do partido à frente do interesse de Estado, ouve-se a reacção do PSD, PS e CDS, e é inevitável que nos passe pela cabeça que nos resta pouco na credibilidade e seriedade da política nacional. Resta-nos Cavaco, coberto de razão - mas preso pelas circunstâncias, pelo sistema político e pela sua própria seriedade.

19 dezembro 2008

Ponto de situação, para enquadrar conversas futuras

1. O Governo não esperava a crise que agora chegou. Se bem me lembro, começou o ano a dizer que tinha a crise arrumada e as contas feitas. Em Abril, para cúmulo, baixou o IVA um ponto. Foi avisado por muitos de que podia ser um erro e não ouviu. Foi o que se chama deitar dinheiro à rua. Agora, resta-lhe fazer o que está a fazer - e está a fazê-lo bem, dentro do possível. Mas gastou tanto dinheiro mal gasto entretanto, que não lhe resta, em 2009, como ter mais para investir caso a crise bata forte. E não é preciso ser bruxo para prever que isso vai acontecer. Essa é a maior culpa de Sócrates: não como reagiu, não por ter provocado a crise. Mas porque não soube ler os sinais de tempestade. Agora arrisca-se a navegar à deriva.

2. Manuela Ferreira Leite é um caso difícil de perceber. Tinha tudo para ser a líder de que o país precisava, para se recompor do que aí vem. As propostas que fez a tempo, ainda em cima do Orçamento, mostravam acerto e prudência. O discurso prometia rigor e transparência. A palavra mostrava pouca vontade de disfarçar o erro ou a ilusão. Em poucos meses, porém, conseguiu baralhar os menos cépticos. Esqueceu-se de falar durante mês e meio, atirou aos imigrantes e aos homossexuais, ironizou em falso sobre ditaduras, chamou Santana Lopes, errou nos tempos e nem se lembrou de explicar que muito do que já propôs, o Governo recuperou meses depois. Pior ainda, consegue acabar o ano numa confusão com os deputados que não só nada beneficia o partido, como acaba a prejudicar o Presidente da República (permitindo a quebra de disciplina de voto a dois deputados dos Açores que permitem a aprovação do Estatuto dos Açores). O ano só vai começar agora, mas para Ferreira Leite começa cedo demais.

3. À esquerda, é a loucura. Fascinados com a crise económica, os bardos acreditam que o capitalismo acabou, que a direita entrou em crise. Perdoe-lhes Deus, que não sabem o que que dizem. Esperam talvez um novo socialismo, chamam pelo Estado grande, pedem o fim dos banqueiros e apontam ao Estado social eouropeu como caminho único. Em suma, acreditam que o dinheiro cai do céu, como nos desenhos animados, e que Deus faz milagres diariamente. Animados pelo debate, Alegre e Louçã juntam-se na Aula Magna, Jerónimo mobiliza as massas, a la esquerda pede um debate para que o PS recupere o rumo. No meio da loucura, Sócrates parece um médico no meio do manicómio. E agradece a animação, para se mostrar ao centro. Para já, e no meio da tornenta, vale-lhe o caos à esquerda e à direita (vale a pena lembrar o CDS?) para manter viva a chama.

4. Depois, resta Cavaco. Depois de muito ter dominado o xadrez político, o Presidente aparece no meio de uma dispensável disputa política. Com o estatuto dos Açores, não teve como evitar a entrada num jogo que não era conveniente a ninguém. E ontem viu-se derrotado no Parlamento, sem que tenha muitas armas para voltar a jogo. Antes, tentou libertar-se de um outro jogo, mais perigoso, onde se sentiu envolvido: o do BPN, com meio mundo a deitar cinzas para cima do seu currículo, mesmo que por interpostas pessoas. Mais do que Cavaco, perdeu o país. O Presidente arriscou-se a sair do papel central de mediador, que tanto ajudou o país a manter uma certa normalidade nos últimos anos. Da sua capacidade de sair deste jogo por cima dependerá muito do que vai acontecer. Sobretudo depois de Outubro - quando as cartas estiverem em cima da mesa, viradas para cima.

Expliquem-me lá

como é que é possível que alguém acredite que uma crise pode, só por si, ajudar um primeiro-ministro em funções, num país que não cresceu acima da média europeia em nenhum dos anos da legislatura?

Volto ao blogue...

para vos dizer que começo a esfregar as mãos para as eleições de 2009. Vamos a isto, malta?