30 novembro 2006

Cavaco e o referendo

O Presidente marcou ontem o referendo ao aborto, com uma pequena frase muito significativa: esta é "uma matéria que possui profundas implicações no plano ético". O tema do aborto tem destas coisas: para a esquerda, é uma questão de modernidade; para a direita, é um problema de ética. Se dúvidas restam, deixo esta pergunta: alguém imagina Jorge Sampaio dizer o mesmo?

28 novembro 2006

Crónica das maiorias

ORÇAMENTO MONOCOLOR. Depois da entrevista à SIC do Presidente da República, muitos se têm perguntado sobre as razões de tanto apoio de Cavaco ao Governo de Sócrates. A resposta está aí já na quinta-feira, quando o PS aprovar sozinho o Orçamento de Estado para 2007, sem que um único deputado da oposição deixe uma palavra de apoio, de hesitação ou sequer de benefício da dúvida ao documento.

A VERDADE é só uma: nos documentos centrais da governação, Sócrates conta apenas com um apoio, o do seu próprio partido. Não houvesse maioria absoluta e o país caía - uma vez mais - no pior do guterrismo. E desta feita nem um Campelo existiria para salvar a bancada do Governo e a estabilidade governativa.

SUSPIROS. Na entrevista de Maria João Avillez a Cavaco Silva, faltou apenas uma pergunta clarificadora: aprova o Presidente o Orçamento de Estado? Vistas bem as coisas, a resposta está lá - apoiando o reformismo, defendendo um esforço nacional de contenção, sugerindo que se expliquem as medidas, Cavaco deixou claro que nada o opõe ao Orçamento - o mesmo que merecerá de toda a oposição um voto contra. Defendendo a estabilidade, aliás, Cavaco só pode ter nesse dia a mesma reacção que Sócrates não evitará: um suspiro de alívio pela existência de uma maioria absoluta no Parlamento.

CAMINHO CERTO. É por isto que, aprovado o Orçamento, amaioria parlamentar deviameter na sua lista de prioridades a reforma da lei eleitoral da Assembleia da República. Não para criar círculos uninominais, nem tão-pouco para reduzir deputados. O que PS e PSD têm a obrigação de fazer é mexer na lei para aumentar a estabilidade do regime. Havendo coragem política, os dois partidos só teriam um caminho: deixar-se de conversa fiada e caminhar no sentido de um Parlamento bipolar, onde a alternância do poder estável seria a regra e onde o papel da oposição seria o de controlar a acção do Executivo. Só assim se reforçaria o papel do Parlamento e só assim nos deixaríamos de discussões fúteis que a nada levame que só atrasam o país.

E OS PEQUENOS partidos - perguntariam os mais contemporizadores? Basta olhar para eles para encontrarmos a resposta: alguém precisa de um CDS que só aparece nos momentos das guerrilhas internas? E de um PCP que teima em não entrar no arco de governabilidade, antes procurando um lugar na contestação de rua? Em qualquer dos dois casos, se é verdade que há bons elementos nestes partidos, também o é que esses teriam voz reforçada se assumissem papel de relevo no chamado Bloco Central. Mais, poderiam até ganhar espaço e assumir uma posição de liderança que hoje, por exemplo no PS, a ala esquerda teima em não conseguir.

HOUVESSE CORAGEM, portanto, e a lei mudava. Porque se prova que Portugal só anda para a frente em anos de maioria absoluta; e porque talvez assim a oposição tivesse espaço para maior responsabilidade.

Pedintes, pés-descalços e invejosos

Diz o major Loureiro, com autoridade perdida e abafada por sucessivos casos de polícia, que as críticas do Tribunal de Contas à utilização de cartões de crédito por parte de 2 administradores da Metro do Porto surgem, apenas, por que somos um país de "pedintes, pés-descalços e invejosos". Uma dúvida, uma confirmação. É ou não verdade que este major na reserva passou a sua vida a viver à custa do erário público pago por aqueles que segundo diz são "pedintes, pés-descalços e invejosos"? A confirmação: A lei de incompatibilidades no poder local e regional só peca por tardia....

24 novembro 2006

Às Vezes o Amor - Sérgio Godinho

Para o fim-de-semana, e por falar em PCP. Para quem não ouviu, o novo "Ligação Directa" é uma bela lição de como fazer música em bom português.

Meia confiança

A retirada de meia confiança política a uma deputada comunista é um facto inovador na política. Se a moda pega, Marques Mendes reduz o seu slogan a "crescer 1,5%". Era bem mais realista, não?

P.S. (sem desprimor): Ao caso, tenho que dar razão a Jerónimo de Sousa. Se a deputada aceitou integrar as listas do partido, sabia as regras com que lidava. No fundo, Luísa Mesquita parece o Gil Vicente: se não gosta das regras da Liga, bem pode jogar nos amadores de Barcelos.

Spin?

O Paulo Gorjão e o JMF acham que o Presidente da República deu um golpe de spin com a notícia de 5ª-feira do DE. Às vezes, o spin engana os próprios detectores.

23 novembro 2006

Jornalismo à portuguesa

Mais de mil jornalistas assinaram, em menos de cinco dias, o Manifesto em defesa da sua Caixa de Previdência, o que revela o profundo desagrado com que foi recebida a intenção do Governo em encerrar a instituição. O Manifesto, lançado pelo Sindicato dos Jornalistas

Este email que acabei de receber mostra à evidência que o jornalismo em Portugal é de esquerda - e não da alegadamente moderna do eng Sócrates. É o que temos.

Já agora: Comigo não contem, ok?

14 novembro 2006

A mulher de César


A rusga foi anunciada com pompa e circunstância. O BES voltava a estar na berlinda envolvido numa Operação Furacão à espanhola, sendo suspeito de "lavar" dinheiro com origem duvidosa. A fotografia nos jornais e telejornais era a da sede do BES, em Madrid, com polícias desfocados com pastas nas mãos. Em causa, supostamente, 1,8 mil milhões de euros que o Juiz Garzon decidiu congelar até apurar a sua validade. Na calha das autoridades espanholas estaria também o off shore da Madeira – chegou a fazer manchete em Portugal. Conclusão? Afinal, 99,6 % do dinheiro congelado pelos espanhóis...pertence a bancos espanhóis! Não tenho conta no BES, não conheço os Espírito Santo. Gosto de Espanha, gosto dos espanhóis, aprecio o perfil do Juiz Garzon. Mas tudo na vida tem limites. E não basta ser sério…

O congresso e os críticos

A união faz a força. Quem diz que um congresso de um partido no poder não serve para nada, seguramente nunca esteve num congresso. Este fim-de-semana, Sócrates entrou na reunião dos socialistas com uma mão-cheia de desafios. Era como se, em meia surdina, até a empregada protestasse com as ordens do patrão. De lá, o mesmo Sócrates saiu incontestável, aplaudido, elogiado por todos. Naquela casa, com o líder presente, não há quem levante a voz. Isso chega para Sócrates: com o aplauso do PS, fica pronto para os gritos nas ruas. A maioria fará o resto.

Alegre cavaqueira. Exemplo prático disso foi o discurso de Manuel Alegre. Lamentavelmente, o deputado que um dia antes tinha escrito duas páginas a arrasar o Orçamento de Sócrates, acabou a fazer uma intervenção que mais não foi que uma alegre cavaqueira. Lá fez o favor de se mostrar incomodado com algumas políticas, mas meteu as divergências num bolso - o mesmo de onde saiu uma folhinha, que entregou ao líder justificando a sua recusa de integrar os órgãos nacionais. Daqui para a frente, uma crítica de Alegre será lida no seu exacto valor: nenhum. Sobra Helena Roseta, que levou até ao fim a sua crítica.

Aborto até ao fim. Incompreensível foi o desafio da ala esquerda sobre o referendo ao aborto: se não for vinculativo, que se legisle na Assembleia. Ficamos a saber que, para eles, os votos só valem se forem muitos. Não tivesse cortado a polémica pela raiz, Sócrates caía no risco do passado: com tanta confusão, nem ida às urnas, nem “sim” que lhes valesse.

Reformas, pois claro. Saído de Santarém, o caminho do primeiro-ministro é óbvio: continuar as reformas. Cansados de apontar defeito às medidas, os críticos viram-se agora para os riscos de o Governo atacar todos os sectores, virando o país contra ele. Dizendo isto, não percebem que fazem a Sócrates um enorme favor: ao dizer que ataca todos, aceitam que o Governo tem feito por ser reformista - que é simplesmente o maior trunfo de um governante no Portugal imobilista de sempre.

O que faz falta, no Portugal de hoje, não é animar a malta. O que faz falta, sim, é quem perceba a urgência de cortar os bloqueios. Com o primeiro-ministro reforçado do congresso socialista, a única via possível de uma oposição responsável (à direita, claro está) é pedir mais a Sócrates. É que Portugal não tem tempo a perder. E o Governo ainda nem entrou na pior fase do mandato: a da execução. O futuro de Sócrates continua nas mãos de dois factores: a economia, que ao contrário do que o próprio imagina, nunca conseguirá controlar; e as reformas, que ou têm resultados efectivos ou acabam a matar o seu autor. Hoje, à luz do congresso, Sócrates parece um vencedor. Mas o caminho não é só longo: é estreito e ainda sem luz ao fundo do túnel.

(Publicado hoje no DE)

12 novembro 2006

XV Congresso do PS


Entrou em Santarém como secretário-geral do PS com um discurso virado para dentro, explicativo e justificativo, mas saiu da cidade a falar como primeiro-ministro com uma novidade relevante para o país [aumento do salário mínimo]. O discurso final foi esclarecedor: empolgante e carismático na comunicação, ambicioso no conteúdo e arrematador quanto ao poder que detém no PS e no país. Esperemos que venha a ter a taxa de execução anunciada, sem recuos nas reformas em curso.

10 novembro 2006

Para que servem os congressos?


Para disputar ou reforçar lideranças e estratégias.

O congresso socialista poderia ser um grande bocejo. Sócrates é um líder incontestado, recentemente reeleito por 97% dos militantes e não existe laivo de oposição capaz de lhe fazer frente.
Resta a segunda hipótese: reforçar lideranças e estratégias. E, aqui, é o país que reforça o enfoque no CNEMA. Greves, contestações, reformas em curso por concretizar, um Orçamento de Estado de aperto para muitos e esperança para poucos antevêem dificuldades na transmissão da mensagem. Não entre o líder e as tropas mas entre o descampado de Santarém e Portugal, do Minho ao Algarve, da Madeira ao Corvo