14 novembro 2006

O congresso e os críticos

A união faz a força. Quem diz que um congresso de um partido no poder não serve para nada, seguramente nunca esteve num congresso. Este fim-de-semana, Sócrates entrou na reunião dos socialistas com uma mão-cheia de desafios. Era como se, em meia surdina, até a empregada protestasse com as ordens do patrão. De lá, o mesmo Sócrates saiu incontestável, aplaudido, elogiado por todos. Naquela casa, com o líder presente, não há quem levante a voz. Isso chega para Sócrates: com o aplauso do PS, fica pronto para os gritos nas ruas. A maioria fará o resto.

Alegre cavaqueira. Exemplo prático disso foi o discurso de Manuel Alegre. Lamentavelmente, o deputado que um dia antes tinha escrito duas páginas a arrasar o Orçamento de Sócrates, acabou a fazer uma intervenção que mais não foi que uma alegre cavaqueira. Lá fez o favor de se mostrar incomodado com algumas políticas, mas meteu as divergências num bolso - o mesmo de onde saiu uma folhinha, que entregou ao líder justificando a sua recusa de integrar os órgãos nacionais. Daqui para a frente, uma crítica de Alegre será lida no seu exacto valor: nenhum. Sobra Helena Roseta, que levou até ao fim a sua crítica.

Aborto até ao fim. Incompreensível foi o desafio da ala esquerda sobre o referendo ao aborto: se não for vinculativo, que se legisle na Assembleia. Ficamos a saber que, para eles, os votos só valem se forem muitos. Não tivesse cortado a polémica pela raiz, Sócrates caía no risco do passado: com tanta confusão, nem ida às urnas, nem “sim” que lhes valesse.

Reformas, pois claro. Saído de Santarém, o caminho do primeiro-ministro é óbvio: continuar as reformas. Cansados de apontar defeito às medidas, os críticos viram-se agora para os riscos de o Governo atacar todos os sectores, virando o país contra ele. Dizendo isto, não percebem que fazem a Sócrates um enorme favor: ao dizer que ataca todos, aceitam que o Governo tem feito por ser reformista - que é simplesmente o maior trunfo de um governante no Portugal imobilista de sempre.

O que faz falta, no Portugal de hoje, não é animar a malta. O que faz falta, sim, é quem perceba a urgência de cortar os bloqueios. Com o primeiro-ministro reforçado do congresso socialista, a única via possível de uma oposição responsável (à direita, claro está) é pedir mais a Sócrates. É que Portugal não tem tempo a perder. E o Governo ainda nem entrou na pior fase do mandato: a da execução. O futuro de Sócrates continua nas mãos de dois factores: a economia, que ao contrário do que o próprio imagina, nunca conseguirá controlar; e as reformas, que ou têm resultados efectivos ou acabam a matar o seu autor. Hoje, à luz do congresso, Sócrates parece um vencedor. Mas o caminho não é só longo: é estreito e ainda sem luz ao fundo do túnel.

(Publicado hoje no DE)

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