21 julho 2005

A crise 2

O Luís assumiu a defesa de Campos e Cunha na sua saída do Governo. Tem lógica: pelo que conheço do Luís, os princípios estão acima de tudo na vida. Tem razão o Luís. O problema é quando os princípios de um colidem com os princípios de outro. Ponto a ponto.

1. Ao contrário do que diz o Luís, Campos e Cunha não tinha uma posição diferente de Sócrates quanto ao papel do investimento. Não. Campos e Cunha estava nos antípodas de Sócrates em quase tudo. A saber: Sócrates acha que o défice é instrumental e que só o crescimento resolve as contas públicas - Campos e Cunha não; Sócrates considera que o investimento, nesta linha, é fundamental, acreditando que o Estado deve assumir papel central no impulso à economia - Campos e Cunha não, centrando esse esforço nos privados; Sócrates não aceita que se toque nas funções do Estado - Campos e Cunha sim, e tornou-o público, p.e., no Jornal de Negócios de há duas semanas. É toda uma diferença, meu caro.

2. Assim sendo, sobram duas hipóteses: ou Campos e Cunha esteve de férias na polinésia francesa de Dezembro a Fevereiro, quando decorreu a campanha, ou tinha a OBRIGAÇÃO de saber que não tinha o mesmo projecto que Sócrates para o país. E que, portanto, não podia aceitar ser seu ministro das Finanças. Campos e Cunha sabia, tinha de saber, o que o PM eleito pensava. E que nunca conseguiria lidar com tanta oposição dentro de um Conselho de Ministros socialista.

3. Porém, aceitando o risco - por, imagino, pensar que os objectivos, pelo menos, eram comuns - Campos e Cunha não devia ter saído desta forma. Porquê? Simples: porque lá dentro, Campos e Cunha era uma voz sensata, que tornava o Governo mais ponderado. Exemplo óbvio: Sócrates não queria aumentar impostos, Campos e Cunha convenceu o primeiro-ministro que não havia alternativa. E bem. Era esse o seu papel no Governo e cumpria-o bem. O que não podia era acreditar que venceria sempre. Porque isto dos princípios é muito bonito quando se trabalha e se vive numa redoma, dependente de si próprio. Num Governo, ou há discussão e concessões, ou os ministros apresentam demissões dia sim, dia não.
Agora, aceitar o risco sabendo que está longe de ser "socrático" e depois abandonar o barco quatro meses depois - quando se percebe que a crise vai durar quatro anos - é um acto de absoluta falta de coragem.

4. Já agora, notas finais: acredito que Campos e Cunha tenha razão, ou seja, que o futuro do país não comporta disparates despesistas. E não, não critiquei Sócrates pelo aumento de impostos. Pelas razões acima indicadas.

Abraços cordiais,

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