28 outubro 2004

Não - parte 2

O meu caro MS, fruto do mau tempo que assola o nosso canil, picou-se. O que é bom.
Ele não gosta de misturas. Ele é federalista e eu sou reaccionário. É uma divisão simples e compreensível por todos.
O problema é que eu também desejo, como ele, mais democracia, mais paz e mais desenvolvimento económico para o continente europeu. Mas os caminhos escolhidos são praticamente opostos.
Eis as razões do meu pessimismo:

1 - Para mim, a Nação portuguesa está acima do bem comum europeu. Ou seja, os representantes do Estado português nunca podem deixar que o bem comum dos restantes 24 Estados-Membros se sobreponha ao bem comum da comunidade portuguesa.
A "Europa", sob o ponto de vista político, como entidade colectiva não existe. O que existe são os interesses dos cinco grandes que prevalecem sempre sobre os restantes. Os próprios cinco também têm interesses próprios historicamente conflituosos que propriciam mais desacordos do que acordos nas mais diversas matérias de que a política externa é o principal. Ideal político não existe, meu caro.
O que existe é um ideal económico que, realmente, como mercado único se revelou fundamental para o desenvolvimento do económico e social do continente.

2 - No que diz respeito a Portugal, a história demonstra que poucas foram as vezes, desde 1986, que os políticos portugueses bateram o pé a Bruxelas. Que me recorde, António Guterres foi o único primeiro-ministro que ameaçou vetar em Nice um Tratado caso os interesses de Portugal não fossem acautelados. Foi também a única vez que Portugal liderou alguma discussãodurante um Conselho Europeu em que tenha um interesse directo. Antes andou sempre atrás da Espanha, qual menino coqueiro à espera de um ressalto para marcar um golo à boca da baliza.
Antes tinha sido também Guterres, durante a presidência portuguesa, a levar a Europa a discutir uma nova estratégia para o desenvolvimento económico do continente na cimeira de Lisboa.

3 - Hoje temos Durão Barroso à frente da Comissão Europeia. Federalista convicto, mas não assumido, Barroso tentará tudo por tudo para levar longe o ideal federalista.
O problema, meu caro MS, é que o federalismo europeu é tudo menos democrático. Só agora, com um Tratado que assumirá carácter constitucional, é que todos os povos europeus serão chamados a pronunciar-se sobre a União Europeia. Antes ninguém se lembrou de legitimar democraticamente todos os avanços de integração económica e política que levaram à passagem da Comunidade Económica Europeia para uma União Europeia.
Não sei se te recordas, mas em todos os referendos que foram feitos em toda a União, nunca o "sim" ganhou claramente. A propósito de Maastricht, em França, o berço do europeísmo, o "sim" ganhou por três pontos; na Dinamarca o "não" ganhou no primeiro, ganhando o "sim" de no segundo, depois de todos os primeiros-ministros europeus terem ameaçado a Dinamarca com a expulsão- se não fosse o facto de a Dinamarca pagar para estar na Mercado Único ainda prometiam uma invasão. Na Irlanda, único país a ratificar Nice por referendo, o "não" ganhou em 2001. Lembras-te, MS? Um país, da nossa dimensão, que lucrou imenso com os fundos europeus, teve receio de ser relegado para segundo plano em termos políticos. Um ano depois, repetindo-se o drama normal nas chancelarias europeias - "como pode isto acontecer?!" - o referendo lá foi repetido e o "sim" ganhou.
Eu, que sou reaccionário, não percebo uma coisa. Porque razão os federalistas se contentam em ganhar por um por cento referendos que devem ratificar tratados que impõem mudanças radicais nas relações de soberania dos Estados-Membros com um poder executivo central sedeado em Bruxelas que não é eleito? Porque razão não defendem maiorias de dois terços?
Pior: Porque razão os federalistas repetem referendo atrás de referendo até o "sim" ganhar? Porque razão não se contentam com o primeiro resultado?

Em conclusão: o que achas que deve ser feito caso um Estado-Membro diga "não" em referendo. Repete-se o mesmo, não é? Isso é democracia? Parece-me mais vanguardismo democrático. LR



Sem comentários: