17 outubro 2004

A reforma das mentalidades

Do Portugal salazarista para o Portugal democrático muitas foram as transformações, mas o nível de corrupção pouco ou nada se alterou. Mudaram as caras, verificou-se uma mutação de processos criminosos mas o Estado continua a ter um número significativo de agentes que se deixam corromper ou que promovem a corrupção, inviabilizando a competitividade económica saudável e a justiça social e fiscal.
Se antes era necessário pagar 20 ou 30 contos – quando este valor era o salário mínimo – para acelerar uma escritura de compra e venda ou “comprar” um chefe de uma repartição de finanças para rasgar um processo de dívida ao fisco, hoje as necessidades são outras.
Mas concordo com o RCP que o maior dos problemas não é a pequena corrupção, mas sim os processos criminosos que estão invariavelmente ligados ao financiamento ilícito dos partidos políticos portugueses. Só não acho que a solução legislativa chegue. É necessário uma forte acção dissuasora por parte do poder judicial.
O fenómeno não é exclusivo de Portugal – basta olhar para os casos do ex-maire Chirac, do ex-primeiro-ministro Kohl ou dos vereadores do PSOE de Madrid e as suas relações com empreiteiros locais – apenas a ineficácia, inexistência, receio ou desinteresse do poder judicial. Isto sim é único na Europa desenvolvida.
O aparecimento de casos como o de Felgueiras, Amadora, Apito Dourado ou de António Preto revelam que algo está a mudar em Portugal. O facto de uma magistrada judicial de 30 e poucos anos ter coragem para impôr a detenção preventiva durante 48 horas do presidente do Metro do Porto, da Câmara de Gondomar e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional numa prisão por este estreada, representa um corte epistemológico. Assim como o trabalho de juiz Carlos Teixeira do Ministério Público na investigação do caso Apito Dourado também deve ser tomado como exemplar.
Uma nova geração de magistrados judiciais e do Ministério Público com um nova mentalidade capaz de exercer os poderes fiscalizadores dos Tribunais é essencial para combater o cancro da democracia portuguesa: a corrupção ligada ao financiamento ilícito partidário.
Por alguma razão, o Bloco Central reage. Não só PSD e PS querem mudar o regime de escutas em vigor, como nos bastidores as pressões não cessam. Homens como Isaltino Morais, Valentim Loureiro e Joaquim Raposo sabem muitos segredos da República. Os pés de barro do regime podem não aguentar certas revelações.
As relações de promiscuidade entre futebol, política e obras públicas (caso Apito Dourado), entre poder autárquico e promotores imobiliários (caso Amadora) e um que pode ser a mistura de todos estes (caso Isaltino) são um teste ao Ministério Público e à sua hierarquia.
Nada pode ficar no “congelador” outrora inventado por Cunha Rodrigues. Essa seria a reforma das reformas.

1 comentário:

Manuel disse...

Bom demais para estar aqui escondido. naturalmente clonado para consumo do grande público ...