Abriu o ano parlamentar. Repararam nos aprumados vincos burgueses envergados pela camisa azul fil-a-fil do Dr.Louçã na sua intervenção nesta tradicional cerimónia, quando falava sobre qualquer coisa importante para ele e para os “quarenta ladrões” que o seguem, mas pouco relevante para o resto do povo português que não vive com os milhares de euros por mês de professor daquela escola do Quelhas?
Eram uns vincos que claramente denunciavam a presença da mão suada da trabalhadora imigrante da Moldávia (onde me constou ensinam a fazer bons vincos), ou, e apresento agora a inevitavel pergunta cínica (inspirada pela escola de pensamento grega com o mesmo nome) terá sido a mão do próprio dirigente da esquerda trauliteira a envergar o proletário ferro de engomar de marca TEFAL modelo Aquaspeed 110? Ou terá sido a companheira (“mulher” é burguês, “esposa” é pequeno-burguês, donde tem de ser “companheira”) do dirigente da esquerda trauliteira que num ataque de ternura lhe disse “Ó Francisco deixa que eu faço isso, que já tou farta das piadas da Ermelinda aqui do R/C esquerdo sobre tu andares sempre todo enxovalhado e porco”?
Qualquer das situações levanta questões que podem ser bastante embaraçosas, do ponto de vista ideológico para Louçã. A imigrante Moldava receberá um salário justo e estará incrita na S.S. ou estará Louçã a aproveitar-se da situação ilegal da criatura pagando-lhe em vales de compras do Lidl, o equivalente ao salário mínimo nacional? Na hipótese de ser Louçã a passar a ferro, será que ele está inscrito no sindicato das empregadas domésticas , ali à Duque d’Ávila, e tem as quotas em dia? Verificando-se esta hipótese, receberá Louçã um ordenado do seu agregado familiar para desempenhar essas tarefas (assim como assim, um trabalhador tem que receber sempre o seu salário), e se sim, declara Louçã esta realidade às Finanças e ao Tribunal Constitucional ou estar-se–á a comportar como uma “Ferreira Leite esquecidiça”? Caso seja a companheira a ter estas tarefas em casa, mesmo que o pretexto seja “calar a Ermelinda”, não estará Louçã a ser seduzido por um paradigma sexista que deturpa a beleza do relativismo assexuado dominante nas hostes bloquistas? Será que Louçã alguma vez pediu a Ana Drago para ela limpar os cinzeiros do hemiciclo? E Joana Amaral Dias terá alguma vez ido às compras ao Minipreço da R. S. Bento para comprar os lenços “Renova com aroma Alfazema” que o Francisco usa? E será que só Luis Fazenda é que pode pendurar os quadros de naturezas mortas albanesas (não, não é uma piada à vivacidade da democracia dessas paragens) nas salas do Grupo Parlamentar?
A verificarem-se, estas situações põem em risco a força ideológica da muralha de aço bloquista, e teriam, na minha humilde perspectiva, muito mais impacto do que o Eduardo Prado Coelho dizer que o BE afinal é niilista.
Tudo isto me perturba imenso.
Tudo de bom para vós
16 setembro 2004
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