Antes de mais, um esclarecimento: a prudência não é uma senhora que conheci, mas uma palavra esquecida que, nestes tempos, só se encontra num dicionário daqueles bem velhinhos, metidos no fundo de um baú perdido de um político mais...prudente. Diz o dicionário que prudência é "aquela das quatro virtudes cardeais (com a justiça, fortaleza e temperança) que dispõe a inteligência a escolher o que normalmente convém na conduta da vida.
Dito isto, vamos ao elogio: Com o meu filho mais novo às voltas pedindo atenção, dei o máximo para ouvir a entrevista de José Sócrates, ontem, na RTP. Só consegui uns minutinhos à conta de um brinquedo novo, mas ainda deu para chegar a algumas conclusões politicamente incorrectas. Cá vão:
1. O dr. Sócrates nunca se compromete. Critica o Governo (este e o anterior) no plano retórico, sem nunca dizer que, se for primeiro-ministro, mudaria tudo outra vez.
2. O dr. Sócrates não diz nada que não queira dizer, salvo raras excepções politicamente correctas (que hoje é moda e também está no dicionário).
3. Por fim, o dr. Sócrates trata o jornalista do Público por João.
Por tudo isto, à excepção do último ponto, fiquei bem impressionado.
Porque não se comprometendo, o dr. Sócrates deixa espaço para não ter que desfazer o que a direita já fez – pode melhorar, mas não anula. E isso é bom, pelo menos no plano da estabilidade legislativa e organizativa do país.
Depois porque, ao não dizer nada do que não quer dizer, o dr. Sócrates abre uma sombra de esperança na nova política à portuguesa: afinal, há quem saiba estar calado quando deve estar calado. Em bom português, o dr. Sócrates leu o dicionário – e está a ser prudente, seja no Iraque, no aborto ou na administração pública.
Passado o minuto de sossego não deu para ver mais nada – o meu filho não deixou. Acabei a pensar se, nos próximos dois anos, nos vai sair um socrático ou um socrista. Podem ver no dicionário.
Abraços a todos.
23 setembro 2004
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